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DEPOIMENTO SOBRE A EXPEDIÇÃO GROELÂNDIA
11/06/2003 a 11/09/2003

EMBARQUE PARA ESPANHA:

A princípio quando recebi o convite fiquei perdida, medo, euforia, não consegui na verdade imaginar história tão fantástica. Era final de maio e já estava começando a organizar o equipamento necessário para uma volta de três meses longe de casa.

Sentia-me super insegura com relação a uma travessia de 80km em kaique individual pelas frias águas do ártico. Igual a abertura de uma nova rota de escalada em uma parede de mil e tantos metros não transmitia muito refresco. Mas sentia também que seria uma oportunidade única. Cecilia Buil, escaladora e criadora do projeto, me oferecia à viagem a Groelândia livre de gastos, já que o Governo de Aragon, Espanha, se dispôs a patrocinar a expedição. Estava tudo perfeito, com o apoio de meus patrocinadores,Jasmine, Snake, Vibram, Kailash embarquei rapidamente para Barcelona, Espanha. Era 11 de junho de 2003, Ceci, me esperava no aeroporto. Estava com 65 kilos de bagagem e super magrela, estava em um ritmo de escalada esportiva nos últimos meses.

TREINAMENTO NA ESPANHA:

Em poucas horas já no carro a caminho de Huesca, eu e Cecília sentíamos como amigas de muito tempo. Fui recebida por sua família de uma forma incrível, me senti em casa. Fomos viver nos Períneos, região montanhosa junto a fronteira com a França, o lugar serviria como a base de todo nosso treinamento. Tivemos um curso de kaique com o guia Gorka Ferro, que seria nosso guia durante toda a viagem e foi aí também que começaram as filmagens para o vídeo da expedição com o personagem Jesus Bosque atrás das lentes. Estava tudo muito bem organizado era a primeira vez que participava de uma expedição profissional. Parecíamos os quatro mosqueteiros, foram metros e metros de remadas no pântano verde piscina. Escalamos nos arredores rochosos, tirando apenas dois dias na semana para descanso, ao som do flamenco/rap y cerveza con limón!

Uma semana antes de embarcarmos para Groelândia , fomos provar os kaiaques marinhos no mar Cantábrico, famoso por ser mais revolto. Ali que fui ter a total noção de o tão séria seria essa travessia gelada. No mar, as correntes são várias e de todos os lados, tem que ficar remando para obter alguma direção em concreto. Mas com sorte e muito e esforço fomos aprovados pelo guia. Tivemos uma divulgação forte na mídia nacional espanhola, teve rodas de imprensa e festinha de despedida.

EMBARQUE PARA GROELÂNDIA:

Embarcamos dia 22 de julho, em pleno verão. Uma parada breve na Dinamarca, linda e coalhado de pessoas bonitas nas ruas, foram 20 horas de viagem no total até chegar em Narsarssuak, Groelândia.

Quando estávamos sobrevoando justo abaixo da grande ilha já se via a imensidão branca com algo de verdinho nas bordas, mais inóspito impossível.

Chegamos e fomos recebidos pelo pessoal que cuidaria da parte do transporte pela ilha. Nos alojamos no albergue cansados e atordoados pelas trocas de fuso horário. Já pela manhã viajamos em barco até Nanortalik, sul da ilha, ponto da partida para a travessia. Depois de seis horas a bordo, desembarcamos em um povoado cheio de telhados coloridos, parecia de brinquedo, Nanortalik, pequena e cheia de crianças esquimós correndo pela única rua da região.

TRAVESSIA EM KAIQUE

Não fazia muito frio, tipo oito graus, prometendo tempo bom. Recebemos a companhia de mais um kaiaquista espanhol, Javier Knorr, veterano em remar por rios e mares, resolveu nos acompanhar até o acampamento base. Organizamos a carga, uma parte foi em um bote a motor, quatro barris com o equipamento e comida, restando apenas quarenta kilos para cada um. O peso ajudava a manter a estabilidade do kaiaque. Tivemos uma jantar de reis com salmão na véspera da travessia. Amanhece gélido e um céu limpo intenso, tardamos duas horas para estar na água remando, já nos primeiros 800 metros, focas! Sem falar nos vários icebergs flutuando por todo o trajeto, o mar estava bem calmo. No final deste mesmo dia quando já estávamos acabados de tanto remar, as baleias aparecem jogando jatos de água para cima, negras e grandes. A princípio todos gritaram, não estava muito longe, mas Javier que havia estudado estes animais nos tranqüilizou, explicando que não são nada agressivos, porém bem curiosas, não deu cinco minutos aquele imenso animal negro passa por de baixo de nossos kaiaques saindo perto do outro lado, fiquei paralisada...O câmera quase teve um colapso cardíaco, conseguiu registrar algumas imagens juntos com nossos gritos de surpresa e admiração. Esta imagem não dá mais para esquecer! Estávamos em bom ritmo o que facilitou a chegada ao acampamento base, ufa..., 80 e tantos km em três dias completos, um bom resultado para quem estava contando com cinco dias. Saiu-me um vulto nas costas do trabalho da remada, porém a bagagem de imagens que trazia em minha memória valia qualquer tipo de sacrifício. !

Passamos por mais um povoado antes de entrar totalmente no Fjord Tarssukatak. Bom quando entramos neste bendito Fjord, fiquei abismada com a quantidade de paredes dos dois lados como uma grande muralha.

ACAMPAMENTO BASE:

Era cinco da tarde quando passamos para a vida terrestre outra vez, a vegetação miúda (tundra) coberta de frutinhas azuladas, algumas flores e um vasto campo de blocos de um granito bem aderente cinza escuro, sem falar na baita parede justo na frente, o Thumbnail e várias outras montanhas. No acampamento tinha um grupo de escaladores para a parede do Thumbnail, considerado o maior acantilado ( falésia marinha) do mundo. Existe apenas uma única via aberta por uma expedição inglesa, a três anos atrás. Nossa proposta era abrir uma nova rota, integralmente feminina em estilo cápsula(sem fixar), tradicional ( proteção móvel), o mais breve e limpo possível. A aproximação teria que ser com os kaiaques sem apoio de motor, resumindo, o mais complicado impossível.

A ESCALADA: primeira parte

Mas a sorte estava ao nosso lado. Descansamos super bem cinco dias, estudamos a parede com uma luneta e chegamos a uma conclusão que mudaria total os planos propostos para escalar Thumbnail.

Sentimos uma atração insuportável para tentar escalar a torre Maujit Gorgassiana, era o ponto culminante do acantilado, sendo possível começar do mar em uma linha quase reta a esta ponta que até então, absolutamente virgem, do contato humano. Mergulhamos com toda a força e vontade que tínhamos neste plano. Preparamos tudo e pela manhã seguinte já estávamos em mar as 10:00 hrs da manhã. Para chegar na base da parede era preciso atravessar o canal, trinta minutos de remada em boas condições. Levamos quase seis horas para rebocar toda carga dos kaiaques para a parede, por sorte água fácil de uma cascata de desgelo. A primeira parte da parede apresentava-se fácil, um quinto grau de dificuldade num granito invejável, nos empolgamos e diminuímos nossa carga, mandando de volta por Gorka que estava a cem metros para baixo, na base, em seu kaiaque. Deu tempo para abrir duas cordadas de cinqüenta metros, o câmera se dispõe a subir a parede jumareando (subindo por cordas com aparelhos específicos, não escalando), tendo a possibilidade de um material mais autêntico para o vídeo com relação à escalada.

Um bivaque tranqüilo, Ceci dorme no ledge( rede de parede) eu e Jesus no platô. Amanhece a 4:30 hrs, às sete horas já estávamos a 400 metros do chão em busca do grande diedro negro. Doce ilusão..., quando chegamos no diedro a surpresa de um futuro empenho úmido e um tanto decomposto. Na verdade a parede apresentava-se de difícil progressão nos obrigando a passar três dias pendurados num ritmo mais lento.Depois de escalar 820 metros mesclados entre adrenalina e deslumbre, chegamos a grande repisa ( platô), magrelos e salvos, deixamos o equipo de escalada debaixo de umas rochas, marcamos e descemos pela canaleta de neve bem à esquerda da parede, como uma saída de emergência, perto do final da canaleta nos deparamos com dois grandes rapéis que estavam fixos praticamente dentro das cascatas. Que frio! Gorka já nos esperava com os kaiaques no final da canaleta, previamente avisado por rádio, foram seis horas de retorno.Tirando o banho mais gelado de minha vida senti uma alegria em voltar para casa, ou melhor, barraca. Os gringos já tinham partido, estávamos sozinhos naquele campo base.Veio a chuva por dois dias e uma nuvem de mosquitos jamais vista em minha vida, cada um tinha sua rede de face. Torci meu pé fazendo umas filmagens na slack line ( corda - bamba) para Jesus o que aumentou um pouco o descanso, por sorte não era nada grave.

A ESCALADA: segunda parte

Chega a hora de entrar na parede!

Decidimos mesmo em tentar a torre que apresentava sistemas de platôs e fendas. Mais uma vez com os kaiques até a base, desta vez sendo mais rápido por estarmos com menos peso, em cinco horas já havíamos superado a canaleta e estávamos nos arrumando para o bivaque e o equipamento para escalar na manhã seguinte Jesus Bosque mais uma vez nos acompanha com a proposta de nas esperar no bivaque e coletar imagens. Escuto um grito de Cecília as 4:30 da matina, vamos Roberta! Não tinha dormido nada a noite devido ao espetáculo imperdível das auroras boreais, pareciam cortinas de fumaça de cor alaranjado claro, horas... Claro não esquecendo a ansiedade pela parede, um frio na barriga pelo desconhecido.

Comemos rapidamente, em quarenta minutos estávamos escalando, a rocha estava seca e de aparência espetacular. Fomos em bom ritmo, revesando, vários trechos em simultâneo (escalando juntos com segurança), coisa inacreditável como 300 metros de sexto grau de dificuldade lotado de fendas e agarras, até irritava...

Fizemos um contato por rádio com a base e Jesus. Sem muito descanso conseguimos chegar ao cume as 18:30 hrs da tarde. Sim! Um cume pequeno com uma vista maravilhosa dos fjords e o mar!!! Não sabíamos se chorávamos ou riamos ou reclamávamos das dores no corpo que começavam com a queda de temperatura. Era tão forte a sensação de estar em um sonho de verdade, difícil até de assimilar-lo na hora, comprovamos definitivamente que éramos os primeiros humanos a pisar ali, não tinha nenhum outro sinal contrário. Não tardamos muito em começar a descer, tivemos problemas já no primeiro rapel, a corda engatava-se na rocha , o que nos obrigou ir ao cume mais duas vezes, foram vários rapéis com fitas, cordeletes e alguns pítons. Chegamos ao bivaque as 11:00 hrs da manhã, meio em estado de transe, sei lá, um cansaço mesclado com uma alegria intensa, encontramos Jesus com sua câmera, feliz em abraçarmos e saber que estava tudo bem. Descansamos quatro horas e foi justo quando começou a entrar as nuvens, cinzas, densas, cara de “pesto patagônico”, falamos com Gorka que já preparava os kaiaques. Descemos em menos de cinco horas, talvez pela adrenalina, medo da tempestade que chegava.Cada um carregava mais ou menos uns trinta e tantos quilos nas costas. Já era noite quando todos já estavam dentro de seu respectivo kaiaque, seria a primeira vez que navegaríamos a noite e mais quilos de cansaso por todo o corpo. Gorka dava animo com seu grito de força, para sempre remar; tardamos para chegar na bendita terrinha! Já chovia há uma hora e estava aumentando, fomos até a barraca-cozinha e estouramos um champanhe, comidinha quente e direto para cama! O lugar mais desejado nas últimas vinte horas!

Ficamos mais alguns dias antes de voltar para a Espanha, visitamos alguns povoados e conhecemos a cultura esquimó que é fascinante, um povo forte e agradável, sempre com um sorriso estampado na cara.

RETORNO:

Já no avião entramos em clima de festa, como que sentíamos a boa onda que nos esperava Huesca , terra natal de Cecilia. Fomos recebidas como celebridades com homenagens e festa pelo governo, clube Pena Guará, familiares, amigos e uma roda de imprensa de uma hora e meia, entusiasmada com o resultado da expedição Groelândia: maior via aberta por mulheres na história da escalada! Falo com toda a sinceridade que não fomos buscar isso, o mais louco e legal disto tudo. Foram 1620 metros de via (parede vertical), granito, quase toda por fendas, com dificuldade técnica V, 7C, A2+, 32 cordadas, não contando os trechos de escalaminhada, demos o nome da via de Hidrofilia, compartimos de igual para igual no desempenho, não batemos nenhuma chapeleta e nem fixamos cordas. Sem falar no vídeo que vai ficar pronto em dezembro com o objetivo de participar em diversos festivais como Banff, Trento, Torello, etc. O efeito desta viagem segue tão intenso que não consigo planejar nenhuma aventura agora. Foi sem dúvidas três meses de um total aprendizado em relação a tudo e a mais pura aventura!

Roberta Nunes

patrocinadores: JASMINE ALIMENTOS INTEGRAIS, SNAKE, KAILASH, VIBRAM.